
o livro
permaneceu mudo durante anos
suas orelhas ouviram tudo o que fora dito naquele recinto
as palavras
tipograficamente impressas no papel amarelado
nunca lidas nunca folheadas
jaziam inertes
surpreendentemente
numa manhã gelada de inverno
precisamente às onze horas e trinta minutos do dia
treze de julho de mil novecentos e cinqüenta e nove
uma segunda-feira, o inesperado
algo admirável acontece
como formigas diminutas no interior das páginas
letras, sílabas, vocábulos, movimentam-se em frenesi
parágrafos, diálogos, sinais de pontuação, sintagmas, interjeições
tudo se reacomoda internamente para contar uma nova história
sem emitir qualquer juízo
em quatrocentos e trinta e cinco páginas
um relato fidedigno de tudo quanto presenciara ao longo de décadas
a verdade pode afinal vir à tona
as entranhas de três gerações de uma família centenária
expostas à luz e aos olhos dos interventores
mas, inadvertidamente
por um capricho do destino
sua espessura é exata para sustentar como calço
o pé quebrado de uma estante no quarto dos serviçais
seu oportuno e conveniente uso é imediato
o pé da página apóia-se no roda-pé da parede
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