IVY MENON — Nasci livre. Cresci solta no mato. Aos cinco, aprendi capinar e plantar milho; aos seis construía e armava arapucas; aos sete manejava estilingue e anzóis; e aos oito, subia em coqueiro para derrubar palmito, em meio as cobras e lagartos, tatus, pombos, frutas, mel... Eu era mesmo jacu e, do mato, plantava e colhia o alimento, preparava meu próprio prato. E sonhava com palavras. Sempre fui livre (até para se submeter é preciso ser livre). Mais velha de sete irmãos, aprendi a ter cuidados e cantigas de ninar, brincar de esconde-esconde, boi de bucha, carrinho de mão ou rolimã, e a dançar, sapatear, se preciso fosse... eles riam, dormiam em meu colo e, assim, mamãe podia catar algodão naquele mundão de meu Deus, e os quilos colhidos, recolhidos, pesados, medidos, depois, vendidos, eram transformados em comida e alegria. E eu era tão livre! Fui à escola, aprendi a ler, embora papai dissesse: "até a quarta série, está bom". Livre, amei livros e, neles, busquei fantasias, as histórias de lobisomens sacis, jibóias e sucuris bichos dos infernos em volta, fora e dentro, protegendo a floresta (medo de fogo...) Antes de os ler, me pertenciam. Meus os livros, eu dei a eles minha sina: escrever, apesar da lida, do trabalho, do sustento da família (a enxada, presente de aniversário de oito anos, achei o máximo). Todo aquele chão pela frente; todo aquele céu para cima... e, na volta para casa, a imensidão do rio com varinha de pescar. Sim, sempre fui livre... aos quinze menstruei; aos dezesseis, primeiro beijo, então, me vi mulher! Papai, herói, derrubava no machado a mata atlântica. No braço. De repente, virara "o Gato": agenciava bóia-fria, e aos trabalhadores distribuía, nos fins de semana, a paga, mas aos filhos não, dizia: "primeiro os dentes, depois, parentes" Então, eu e meus irmãos - absolutamente livres da fome, inclusive - comíamos arroz e cebolinha sentados no chão ao redor da panela, uma colher só, repassada de mão em mão, e como no templo, repartido o pão, a comunhão e papai a comer salame, a tomar cerveja, e brindar a saciedade (tinha tantas namoradas!!!)
Sempre sonhei, livremente, a cantar la traviatta ou la bella polenta ou um noturno de Chopin ou Camaleoa, de Caetano ou o piano de Jobim ou, de mim, a amar Chico Buarque, ídolo, absoluto... Me dei ao luxo de tirei dez. Muitos dez fui na escola: dez em olimpíada, dez em matemática. E física quântica era o que há. E poesia meu dia-a-dia. Aos vinte, deixei a roça e a enxada. Apropriei-me, definitivamente, da caneta e tornei-me jornalista. Marido morto, escolho o feijão ao sonho. Burocrata, ganho bem e sustento nove bocas e desta lista consta eu, a que segura a barra de tantos. Formei-me em Ciências Jurídicas. Admiro as Leis. Quero administrá-las. Mas escolhi ser Mestre em Filosofia. As Letras me fascinam.
Como poeta, tímida, escondi meus versos. Eu os tinha apenas para mim. Engavetava-os. Isso, até quando deixei de temer os homens e os apresentei em varais, cartões postais, bilhetes de amor e, modernizada, globalizada, postei-os nos sites e orkuts. Ousei participar de um concurso. Voei alto: a Academia Brasileira de Letras era parceira. O Palco da ABL o dia "D". Venci. Meu primogênito "Flores Amarelas" foi o prêmio. A academia de Letras de Maringá, meu sonho. Agora, além de livre, é meu o direito de ser eu mesma: ando de patins, corro pela praia, ainda subo em árvores... rio dos meus próprios erros... Continuo livre, presa apenas às mãos pequeninas dos netos em minhas saias.
AUSÊNCIA
© IVY MENON
Não. Não penso em homens.
Meu corpo esvaziou-se de sonhos.
As madrugadas insones lembram-me nomes.
Como quando se caminha de noite
e se distancia das luzes até que, antes da curva da estrada,
elas se tornem apenas vaga-lumes tontos no horizonte.
Não. Não há o que me console, lá atrás.
Não é possível, gritando nomes,
resgatar a alma que se desgarrou de mim.
E vaga-lumes fogem da alva.
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